Artigo

A crucificação

Por Rubens Amador - Jornalista

Acredito que fui um dos que mais vezes assistiu a "Paixão de Cristo". Vi-a representada em alguns circos; que, na Semana Santa, era a representação obrigatória, pois naquele tempo se guardava tal semana com muito respeito. Cinema, nem pensar, só os que passassem filmes bíblicos. Assisti, menino ainda, pelo Corpo Cênico da Catedral (o professor Zanotta era sempre o Judas, e eu ficava impressionado quando o via "enforcado", corpo pendente de uma árvore). Na cena de Pilatos, a cada nova representação, eu "torcia" para que, naquela vez, ele chutasse a bacia e gritasse: "Soltem este homem, porque ele está livre de qualquer culpa"!

Havia várias encenações da Vida, Paixão e Morte de Jesus Cristo. Todas as vezes que assistia a um espetáculo desses ficava siderado. Sempre me comovia muito com a história, que é, em última análise, a história do próprio homem de fé. A violência que mostravam; os açoites, as blasfêmias, a coroa de espinhos que fazia sangrar, as cusparadas; as quedas do Cristo Homem com aquele pesado lenho sobre suas costas feridas pelos chicotes com metais nas extremidades. Eram precários truques de teatro. Não havia a tecnologia de hoje. Cristo era mostrado dentro de uma malha justa em seu corpo. Mas toda aquela "flagelação" de um ser que a tudo suportou para a redenção de seu imenso rebanho ("Perdoai-os Pai, pois eles não sabem o que fazem"), nos fazia umedecer os olhos.

Mel Gibson, de formação católica, deu ao seu filme, que acabo de rever na televisão, um enfoque novo em relação a tudo o que já se conhecia, narrando às 12 últimas horas de Cristo, contando o que Lhe aconteceu, com uma força impactante pelas imagens poderosas e cruas, dado as modernas técnicas cinematográficas. Aproximou-se do que realmente aconteceu, pelo inaudito do que é capaz a violência dos seres humanos desde aqueles recuados tempos.

Crucificações ainda se veem hoje, embora sem a força da de Cristo, por suas intenções de amor pela humanidade. Tim Lopes foi supliciado como Jesus, numa flagelação que nunca imaginamos que seria possível acontecer a um ser humano nos dias de hoje. Ele, que não queria redimir a humanidade, apenas mostrar como a perversidade dos traficantes se urdia, causando a seres fracos, mas iguais a nós, Gólgotas, todos os dias. Tim Lopes sofreu uma repetição compulsiva da violência que há em nós (só sem a transcendência da do Pai), tal como mostrou o ator norte-americano (que viveu até a idade adulta na Nova Zelândia), com seu Jesus Cristo.

Cheguei a pensar em não rever a recapitulação da grande tragédia, por sentir o peso dos anos sobre o meu espírito, já menos protegido daquela couraça que envolve aos mais jovens. Pois quando o inverno da vida já é o nosso clima, pensei de como reagiria vendo tudo de novo, agora com genuíno realismo, e em casa. E me comovi de novo, aproveitando-me do escuro para evaporar uma que outra lágrima teimosa. A vida de Cristo, de Mel Gibson, teve nos diálogos em aramaico mesclado com latim, seu ponto alto. As palavras inglesas que todos conhecemos, só de ouvir, tiraria o clima de toda uma época genuína. Discordo dos simpáticos rabinos israelenses. Não creio que os judeus tenham sido acusados do que quer que fosse neste filme. Tenho como argumento principal que o Nazareno era Judeu. E contra os Evangelhos não cabem argumentos.

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